Percepções de João (por Rafael Ferraz)


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Quando você sentiu a necessidade de realizar esse novo trabalho e como se deu o processo de composição das faixas? Todas foram compostas na mesma época ou são de vários períodos diferentes?

JC – A ideia surgiu há alguns anos atrás quando assistia a um documentário na TV. Eu estava lá entretido com o programa e de repente o telefone tocou. Cortei o som da TV e atendi a ligação. Quando desliguei, havia uma fotografia estampada na tela. E ela ficou lá por algum tempo. Era linda, fiquei a admirando durante alguns poucos segundos. Daí lembrei que a TV estava sem som. Quando aumentei o volume, tinha uma música muito interessante tocando. Nesse instante, as sensações que eu estava sentindo ao olhar a foto mudaram imediatamente. Fiquei muito impressionado como o som mudou minhas percepções com relação à imagem. Veio então a vontade de criar um projeto onde minhas músicas inspirassem um fotógrafo e suas imagens me inspirassem a compor. Portanto, algumas músicas foram baseadas em fotografias – de Tatyana Alves, minha amiga fotógrafa que me estimulou a levar o projeto adiante – e outras eram composições que já existiam e que serviram de inspiração para Tatyana.

Fale sobre os músicos que participaram do disco. Como aconteceram as gravações? Você já tinha tudo arranjado ou houve espaço para os músicos criarem junto os arranjos?

JC – Neste disco pude contar com grandes amigos e excelentes músicos. Para os pianos convidei João Coutinho, Paulo Calasans, Fernando Moura e Renato Fonseca. Para contrabaixo acústico, Romulo Gomes e Jefferson Lescowich. Marcelo Martins gravou as flautas. A mixagem ficou a cargo do amigo e companheiro de instrumento, Torcuato Mariano.

Com relação às gravações, elas aconteceram em etapas. Gravei primeiro as minhas partes e depois chamei os músicos para acrescentarem seus instrumentos. Portanto, os arranjos já estavam prontos, mas como sempre (com relação à base) deixo espaço para a criação de quem irá executá-los. Daí a importância de poder contar com artistas com quem você se identifica muito.

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Quais efeitos e instrumentos foram usados? Qual efeito ou regulagem você considera essencial para chegar no timbre de guitarra ideal?

JC – Gravei guitarras e violões (nylon e aço), baixo elétrico, percussão e voz. Com relação a efeitos, usei basicamente delay, overdrive e um envelope filter em uma música. Não acho que exista uma regulagem ou efeitos específicos que te levem a um timbre ideal. Acho sim que, em primeiro lugar, devemos ter dentro de nós o som que buscamos e, para alcançá-lo, é muito importante conhecer como funcionam os equipamentos.

O disco não apresenta bateria, embora não faltem ótimas percussões. Como surgiu esse conceito musical “sem bateria”? E como foi para você gravar as percussões? Já havia tido essa experiência antes?

JC – Quando comecei a compor as músicas para as imagens da Tatyana, o clima das músicas me levaram a uma sonoridade mais de percussão do que de bateria. Um dia resolvi comprar um cajon e algumas outras percussões e comecei a experimentar umas ideias. Acabei gostando do resultado, além de ter curtido muito tocar. Daí resolvi que eu mesmo iria gravar. Foi muito divertido e desafiador!

A faixa “Arranhando O Céu” tem um belo encadeamento de acordes. Como surgiu essa música? Certa vez vi essa pergunta ser feita para o Guinga e agora faço a você. Quando você compõe, o que vem primeiro: harmonia ou melodia?

JC –  Esta foi uma das que foram inspiradas por fotos. Eu colocava a imagem na tela do computador e ficava observando até que surgisse uma primeira ideia musical. Daí em diante, sempre com a imagem presente, a música ia sendo “construída”. Não sei qual foi a resposta do Guinga, apesar de imaginar qual seja. No meu caso, não tem uma regra. A primeira inspiração pode ser melódica, rítmica ou harmônica. O que sempre procuro preservar e respeitar é a forma natural com que ela se desenvolve. Quero dizer, para mim a sensação que tenho é que a própria música vai te levando para onde ela quer ir.

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Se o nome do disco não fosse “Percepções”, poderia se chamar “Motivos”, já que o que não faltam nas suas músicas são motivos melódicos. Você parece ter um cuidado em sempre manter a atenção do ouvinte com bons motivos. Como alguém pode desenvolver essa forma de “aplicação” em um improviso ou na hora de compor um tema?

JC – Interessante você colocar desta maneira. Motivos nada mais são que ideias que te “empurram” para outras ideias que as complementam. Foi justamente o que tentei descrever na sua pergunta anterior.

Quando estou compondo, não me preocupo em satisfazer nada que não a própria música. Isto pode parecer meio “papo furado”, mas juro que não é. Mesmo quando faço música por encomenda (tipo trilha para filmes ou televisão), meu foco é, uma vez definido o caminho proposto para aquele tipo de composição, seguir o que a própria música me “sugere”.

Acho que tudo isto é uma questão de personalidade. Quanto mais espontâneo você é, mais espontâneos soarão seus improvisos e composições. Acho importante entendermos e respeitarmos isso. A música é só uma extensão de quem somos. Lembrando que para mim a melhor definição de improviso é que este nada mais é do que uma composição instantânea.

Há um belo som de violão na faixa “Madeira”. Qual violão você usou e como fez a captação? 

JC – Todos os violões foram captados com somente um microfone (Line Audio CM3 – Handmade na Suécia).

Em Madeira usei Alexander Tomaz e em Barigui um Irmãos Carvalho Double Top.

Em “Trama Azul”, há ideias rítmicas que parecem gerar um contraponto bacana entre elas. Como você desenvolve suas ideias rítmicas e como nossos leitores podem melhorar essa questão rítmica no dia a dia?

JC – Na verdade quis causar uma “confusão” organizada, inspirada pela foto de uma árvore cheia de galhos por onde passa a luz do sol. Quando estas ideias rítmicas surgem, acontecem espontaneamente, não penso em nenhum conceito teórico ou coisa parecida.

Para ampliar o vocabulário rítmico, sugiro que comecem a tocar algum instrumento de percussão. É um mundo novo que se abre. Já estudei bateria e sempre fui apaixonado pelo lado rítmico da música. Muitos músicos de instrumentos melódicos dão tanta importância às notas e aos aspectos harmônicos que acabam deixando de lado o aspecto rítmico, que é o único comum a todos os instrumentos musicais.

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De onde vem essa sua ligação vocal no momento de improvisar? Muitos associam esse seu estilo de improviso a nomes como o de George Benson, mas sei que você é um grande admirador do Chet Baker, que também tinha essa característica. Quais dicas você poderia dar para desenvolver essa forma de improvisação?

JC – Como sempre ouvi muitos cantores e músicos de sopro (entre eles Chet Baker, por causa da influência de meu pai), sentia necessidade de, ao tocar guitarra ou violão, atingir o mesmo nível interpretativo conseguido com a voz e instrumentos de sopro. Por isso, me habituei a cantar tudo que eu tocava. Desta maneira acabei desenvolvendo, sem querer, um forte link do que ouço internamente com o que toco no meu instrumento. Não vejo isto como uma “forma” diferente de improvisação e sim como uma maneira de fortalecer e desenvolver o caminho que une suas ideias musicais internas e a execução das mesmas em seu instrumento. Uma boa forma de “testar” a quantas anda sua capacidade de improvisação é usar a voz, deixando de lado seu instrumento. O que sair desta experiência é o que realmente você tem internalizado.

Vejo o violão e a guitarra como ferramentas não só para transmitir minhas ideias musicais, mas também para ampliá-las.

Em “Contemplação”, durante um clima bem brasileiro, você faz algumas frases bem “bluesy”, mas sem perder o tempero brasileiro. Como acrescenta esses detalhes sem perder a característica que a música parece pedir? 

JC – Posso estar soando meio redundante, mas é como as coisas acontecem comigo. Tudo é espontâneo. Não penso antes de fazer, simplesmente sinto e tento reproduzir. Acho que tudo é uma questão de vocabulário e de como conseguir transmitir para seu instrumento.

Como você pretende divulgar e apresentar esse disco?

JC –  Em breve haverá no youtube um vídeo que gravei falando sobre ele. Irei postar no Facebook e no meu site www.joaocastilho.com, que finalmente foi refeito e atualizado. Além de, é claro, comentar sobre o CD em meus shows e workshops.

Deixe um recado para os leitores do site.

JC – Tive um grande prazer em realizar este projeto, espero poder transmitir a mesma sensação a quem o ouça. Parabéns ao André Sampaio pela iniciativa de criar o Guitar Experience.

Abração pra todos!

João Castilho usa cordas SG Strings, cabos Santo Ângelo, palhetas Lost Dog, equipamentos Landscape, pedais Uchoa e guitarras Music Maker.

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