Michel Leme lança DVD “Na Montanha” (por Luiz Azevedo)


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Com vinte e dois anos no cenário musical, um acervo de seis discos solos e mais de trinta participações a convite em discos de música instrumental, Michel Leme fala sobre sua carreira musical e seu novo DVD “Michel Leme Trio – Na Montanha” 

Como surgiu esta ideia inusitada de gravar nas montanhas?

Em primeiro lugar, obrigado pela oportunidade e um abraço a todos do GUITAR EXPERIENCE! Respondendo a pergunta: depois do disco “5°”, de 2010, eu passei a tocar direto com o Bruno Migotto (baixo) e o Bruno Tessele (bateria). Este é um trio que vai pra lugares loucos a cada vez, então senti que esta formação seria legal para o próximo trabalho. Ao mesmo tempo, eu estava querendo lançar um DVD pra explorar outro formato, aí entrei em contato com meus companheiros de ECVU – Espaço Cultural Ventos Uivantes, situado em São Francisco Xavier, núcleo da Associação Jatobá (da qual sou associado desde 2004) – para que eles cuidassem da parte de imagem e também das pinturas.Todos curtiram a ideia e, no dia 08 de outubro de 2011, nós gravamos tudo ao vivo numa montanha bem alta em São Francisco Xavier, área de preservação ambiental, um verdadeiro santuário da natureza. Foi uma experiência inesquecível.O DVD “MICHEL LEME TRIO – NA MONTANHA” chegou da fábrica em abril deste ano, e desd então estamos fazendo vários lançamentos por aí – e a primeira tiragem já está acabando.

Na Montanha apresenta uma diversidade de estilos como baião, samba, rhythm-changes etc, deixando muito claro que você além de excelente instrumentista você trabalha em prol da boa música não importando que roupagem ela veste. Você poderia comentar sobre a escolha deste repertório?

Eu sempre tive muitas reservas quanto a trabalhos que misturam muitos gêneros, justamente por ter ouvido discos de alguns caras que mais soavam como alguém querendo provar alguma coisa do que uma obra com começo, meio e fim conectados. Só que, ao unir vários gêneros com este trio, vejo que conseguimos estabelecer uma unidade. Talvez o fato de eu sempre gravar cada disco com um único grupo, com uma única formação, também ajude nisso. E minha própria trajetória como músico passa por diversos gêneros, então é algo natural que isso se reflita nas composições e, conseqüentemente, nos discos. As músicas escolhidas para este DVD foram compostas desde 2003 até um mês antes de começarmos a tocar o repertório: “Diz Aí” é a mais antiga, de 2003; “Dito e Feito” é de 2004; “Celso Childs’ Blues”, “Indo a Santos” e “Dominación” são de 2010; “Entrelinhas” é de março de 2011 e “El Tyner” é a mais nova, de maio de 2011. Vale comentar sobre o critério no processo de composição também: antes de eu apresentar uma composição para um grupo eu fico tocando, tocando muito e deixando a intuição fazer os ajustes necessários; a partir daí eu tenho a certeza de que estou apresentando uma música e não um estudo.

 Em quase todas as faixas do DVD você apresenta os temas das músicas com recursos de chord melody e bloco. Esses re- cursos foram compostos ou improvisados? Explique como você chegou neste resultado.

Em trio é preciso apoiar a melodia com acordes em vários momentos, então é preciso sempre estudar/pesquisar/tocar muito a fim de ter os recursos pra isso. Com exceção da exposição do tema de “Diz Aí”, todo o restante em se tratando de blocos é improvisado. Tocar standards em trio foi e tem sido uma bela escola para mim neste sentido também. E, se vale uma dica, é importante que o guitarrista se prepare para tocar solo as músicas que conhece; é algo que ajuda muito a tocar o acorde certo na hora certa – além de ajudar quando alguém te pede “toca uma música?” sem que você tenha que dizer “espere, vou pegar meus playbacks”. É um bom termômetro de musicalidade poder tocar e fazer algo interessante sozinho.

 CONFIRA DICAS DE CHORD MELODY DE MICHEL LEME EM MUSIC CONNECTION

A parceria com Bruno Migotto e Bruno Tessele vem de longa data ou algo preparado para o DVD?

Este trio existe desde 2008.Passamos por várias fases e elas estão registradas em áudio ou video, o que é muito esclarecedor pra gente. Hoje, vejo que as iniciativas partem de todos os integrantes, o que torna tudo mais legal.E nós nunca sabemos o que vai acontecer quando vamos tocar e, pra ser sincero, nem queremos. Sendo assim, nada foi preparado para o DVD. O único pré-requisito é conhecer os temas.

A formação de uma banda influencia no resultado final do trabalho e diretamente na forma de tocar?

Eu preciso de um grupo onde todos criem juntos, sem hierarquia, e, claro, que sejam músicos que saibam e queiram ouvir, e que toquem para o grupo (ao contrário do que faz o individualista – que vale dizer que é um termo que vem do grego “idioté”…). Desta maneira, as coisas acontecem de uma maneira mágica, como se estivéssemos tocando exatamente aquilo que é preciso ser tocado em vários momentos. E a cada vez a coisa precisa sair de um jeito, digo isso por experiência própria. Então é burrice apegar-se a certas coisas. Por exemplo: eu não suporto tocar uma música com o final que “deu certo” ontem, entende? A vida está em movi- mento, nenhum dia é igual ao outro e a música está em sintonia com isso. Eu prefiro a música viva, então é importante tocar com quem sabe jogar coletivamente.

Em algumas musicas você utilizou pedais de efeito. Como você aconselha usar esses recursos?

Eu usei um Flanger de vez em quando, fazendo com que o efeito entrasse de repente em alguns trechos. Também usei um booster da Fire Custom na parte “fora”. E, no final do último tema, “Celso Childs’ Blues”, eu usei uma espécie de auto-wha (ou envelope) da guy-a-tone, que é bem louco, presente do meu amigo Matic. Quanto ao conselho, eu aconselho que cada um use o que tiver que usar em matéria de pedais de efeito. Como diz Stravinsky e o que vale para vários outros aspectos da música – “a intuição nunca erra”.

A opção de trio com guitarra, baixo e bateria é a sua formação predileta?

Não, eu gosto igualmente de tocar em qualquer formação que surgir. Sempre aprendo algo.

Em certos momentos tive a im- pressão de uma pegada free jazz. Isso realmente acontece? Existe algum padrão adotado para alcançar essa sonoridade muito interessante? 

O que você percebe como “free” seria o clima de bagunça que rola de vez em quando (e que é muito bem-vindo)? Seriam as mudanças harmônicas que acontecem? Seriam partes (intros, pontes ou finais) que surgem e que não estão nas partituras (que estão em PDF numa pasta do DVD)? Seria a impressão de que estamos perdidos tocando “qualquer coisa” e, o que seria algo “não free” logo a seguir, tocamos algo juntos “do nada” sem que nenhum sinal seja feito? Entendo o que você quer dizer, mas realmente não sei te dizer como chamar isso. Só desconfio que ao rotular você acaba limitando a música a um único “sabor”, acaba diminuindo a coisa real, que tem várias nuances, a uma só perspectiva, o que não é algo verdadeiro. Como você rotularia uma tarde em frente ao mar? Até dá pra rotular, mas seria algo muito, muito menor do que viver a experiência. De acordo com Charlie Parker, “a música fala por si”. Concordo! E sobre algum “padrão adotado”, acho que não houve, porque sequer falamos sobre o que vamos tocar.Logo, nada é pre-stabelecido; apenas conhecemos as músi- cas e tentamos nos submeter ao momento.

Sua maneira de tocar é muito intensa isto por acaso é um reflexo de sua personalidade?

Com certeza. Li uma frase atribuída ao Miles Davis outro dia que dizia “às vezes você tem que tocar muito tempo para ser capaz de tocar como você”. Acho que é por aí. Tem amigos que me ouvem tocando e dizem que eu toco o que eu sou. Acho legal quando sentem a necessidade de me dizer isso, mas não é nada demais ser você mesmo, certo? O objetivo é tocar mais e mais, porque é assim que os excelentes alcançaram a excelência.

Qual seu set up atual?

Uso sempre meu amplificador Libra 100, totalmente valvulado e desenvolvido em parceria com a Rotstage Tech, com uma caixa com 2X12 também da Rotstage. A guitarra acústica que venho usando desde setembro de 2010 é uma Cassias, construída pelo luthier João Cassias. As guitarras sólidas que uso na banda SANGUE e outros projetos de rock são o modelo M, que desenvolvi junto ao luthier Ivan Freitas da Music Maker Custom Guitars. Os cabos são Tecniforte. As fontes e pedais são Fire Custom alguns outros pedais variam de marca e tipos de efeito, depende do som e do dia. As cordas são D’Addario Chromes .012 (com a primeira E .013 e a G desencapada .022) para a guitarra acústica e para a guitarra sólida uso D’Addario EXP .011. As correias são Basso.

Qualquer projeto musical muito bem execu- tado em nosso país demanda muito tempo e dinheiro, você contou com algum tipo de apoio?

Sim, tive apoio do Espaço Sagrada Beleza, EM&T, ECVU, D’Addario, Tecniforte, Fire Custom, Rotstage, Cassias e MF. Isso é muito importante para que o artista possa focar apenas na arte ao tocar.

Você toca nos mais diversos projetos que vão do rock ao jazz. Existe uma inquietação musical de sua parte?

Eu toco o que me dá prazer e o que sei que não passarei vergonha fazendo. Eu comecei tocando música brasileira com meu avô, que tocava violão, e rock com meu irmão, que toca guitarra. Depois, tive a necessidade de saber como funcionava o tal “jazz”, com uns 17 ou 18 anos de idade. Além disso, ouço muita música dita clássica desde pequeno, porque meu pai amava esses sons.Enfim, acontece uma grande mistura de gêneros no meu ser. Então, não sei se é inquietação, talvez seja simplesmente uma questão de expressar o que é preciso.

Fale um pouco da importância de se manter sempre na cena e quais são seus novos projetos?

Eu preciso tocar sempre, e por razões exclusivamente artísticas. Se eu não tocar sempre eu vou piorar! Então, não há nenhuma estratégia enrustida no fato de eu tocar direto. Algumas pessoas me dizem “você não acha que toca muito por aí?”, e eu respondo: “não! Eu preciso tocar mais, porque é o que amo e preciso fazer”. Projetos a seguir: acabamos de gravar o primeiro disco da banda SANGUE, formada por Kiko Muller, eu, Fabio Zaganin e Paulo Zinner. O som é bem pesado, e no momento estamos concluindo as gravações de voz do Kiko, depois disso é mixar, masterizar e prensar. Ao mesmo tempo, já estou começando a organizar a próxima gravação do trio com “Os Brunos”, porque temos umas músicas novas rolando e já estamos tomando liberdades com elas. No mais, quero tocar com quem e onde for possível. Como disse o fabuloso Ray Brown: “o objetivo sempre foi tocar”. E tocar é maravilhoso, não é? Abraços a todos!