A Forma da Liberdade (Por Alexandre Bastos)
O guitarrista carioca Mateus Starling está lançando seu terceiro CD, “Free Form”. Podemos considerar que o guitarrista e sua linguagem personalíssima e seu conceito criativo peculiar, um herói nos tempos modernos (via Internet). Mateus Starling é conhecido no Brasil pela produção didática (seus materiais de estudo são muito procurados no Brasil e fora dele) e com isso o músico está com um novo projeto. Mateus agora além de administrar a carreira de instrumentista, administra também o site educacional “Mais Músico” (www.maismusico.com.br) e está administrando e estruturando uma Escola de Música no Rio de Janeiro (esta escola será um núcleo oficial para audições da Berklee School Of Music no estado). Tudo isso com foco, trabalho, determinação e, sobretudo, profissionalismo.
Alexandre Bastos conversou com Mateus Starling sobre sua carreira, influencias método de composição, música, formas de estudo, dicas, seus projetos didáticos e sobre o seu recente disco.
GE – Mateus em 2011, conversamos sobre o disco “Free Fusion”. De 2011 para este ano, muita coisa mudou. Desde uma parada estratégica e saudável com o seu quarteto, a criação do site Mais Músico, a gravação deste novo disco e agora este projeto que poderíamos chama-lo de Didático-Administrativo (a criação e estruturação de uma escola de música). O que isto tudo representa para você, dentro da sua carreira e se todas estas mudanças impactaram diretamente no processo criativo e composicional do “Free Form”?
MS – Obrigado Alexandre, Andre Sampaio e todos os amigos do Guitar Experience por mais esta oportunidade de repartir sobre meu trabalho.
Lancei meu primeiro álbum em 2008, depois 2011 e agora 2014/2015. Deixei um intervalo de três anos entre os trabalhos instrumentais. Estes trabalhos são sempre orgânicos, gravados ao vivo e acabam sendo uma grande oportunidade de estar com músicos que eu admiro e gosto de tocar. Ao longo dos anos venho tocando menos por ai e me concentrando mais na minha carreira didática. O Free Form acabou acontecendo num momento que eu estava saindo muito pouco para tocar, portanto, ele veio em um bom momento. Agora estou abrindo minha escola e estou tendo a oportunidade de chamar os músicos que mais admiro e gosto de tocar para estarem lecionando na escola e também para estarmos tocando ali, pois além de ser uma escola, teremos um espaço reservado para tocar e se apresentar.
GE – Como sempre seus discos são uma ruptura do padrão “disco de guitarrista”. Este seu novo disco não poderia ser diferente, mas algumas músicas, se posso assim considerar, estão mais “acessíveis” dentro do que chamo “C.E.M.S. – Composição Estrutural Mateus Starling”. Algumas composições como JCBlues e Sete Punk tem uma proposta um pouco diferente das estruturas de suas composições presentes no disco Kairós e no Free Fusion. Também encontramos uma nova versão de Brazilian Funk (CD Kairos) com uma métrica rítmica diferente. Todas as mudanças de 2011 para 2015, como comentamos na pergunta anterior, motivaram este processo ou apenas foi um processo natural?
MS – Este álbum saiu no susto, ou seja, eu não estava me preparando para gravar, mas o Rodrigo, dono do estúdio, me ofereceu o estúdio de presente por um dia, então aproveitei a oportunidade para reunir o quarteto, compor e gravar.
Ensaiamos poucas vezes e em cada ensaio eu compunha uma música, portanto, este álbum tem uma proposta mais simplificada que os álbuns anteriores, apesar de que algumas músicas também possuírem uma estrutura mais elaborada, mas a ideia era ser mais jam, despojado mesmo.
GE – Em Partido Crazy, a veia “brasileira” ficou evidente tanto nas partes de bateria, quanto nas linhas de baixo e na condução harmônica da guitarra. O instrumentista “Mateus Starling” sempre valorizou isso nas suas composições e nas suas argumentações por meio de blogs ou depoimentos via internet. Sem polemizar, podemos observar que uma grande parte do “meio guitarrístico brasileiro” não valoriza muito a rítmica e a qualidade da música brasileira. Você pode dizer um pouco mais sobre isso e o quanto a Música Brasileira (em todos os aspectos) agrega em sua maneira de tocar?
MS – A música brasileira tem o mesmo patamar de importância na minha carreira que o jazz e o rock, mas tenho o agravante de ter nascido no Brasil e ter sido influenciado por esta música sempre. Todos os músicos com que toco e que fazem parte da minha jornada são muito imersos na música brasileira, portanto, para mim é natural ter algo da música brasileira na maneira de tocar e pensar. No caso da música Partido Crazy a intenção foi fazer um partido alto em 13/4 por isso o nome.
GE – Falando especificamente de Sete Punk, você carregou um pouco mais na quantidade de drive que você habitualmente usa, mas na abertura da composição. No improviso, o timbre continua personalíssimo com a forte influencia dodecafônica, com as estruturas visuais e como sempre, a interação com os músicos. Você sempre valoriza isso em suas composições. Você considera isto também como uma forma de estudo ou apenas uma de suas influências ou ambos?
MS – Eu quis colocar esta influencia punk na música, até mesmo por isso o nome. Esta coisa mais suja e carregada, para mim não existe barreira de estilos, se você pegar meus álbuns e for enumerando os estilos que aparecem você vai encontrar muita coisa (samba, erudito, jazz, fusion, funk, baião, rock etc.), ate mesmo elementos que não estão inseridos de forma pura e por isso seriam difíceis de definir.
Quando componho eu penso nas estruturas atonais, quase tudo o que eu faço é atonal, a influencia dodecafônica acaba aparecendo no improviso porque passei muito tempo imerso neste conceito dodecafônico para o improviso, mas não é algo que eu penso mais, sempre que toco sobre uma estrutura livre eu acabo sendo guiado para este tipo de sonoridade.
GE – Em Walking Groove fica claro a fortíssima influência de músicos como Horace Silver, Mick Goodrick, Miles Davis, Allan Holdsworth e um saxofonista que você sempre recomenda a leitura de sua obra didática e que eu nunca consigo me lembrar do nome (risos). De uma forma geral, o disco todo reflete de forma marcante estas influencias todas, como utilização de efeitos, conduções harmônicas, interação com os músicos e algo muito marcante. A sonoridade geral do disco, que lembra bastante os discos de Jazz Rock e Fusion dos anos 1970. Isto foi algo proposital ou foi um processo natural dentro do “conceito” Mateus Starling?
MS – Eu já não penso mais em uma marca, mas eu penso em fazer algo que eu queira ouvir. Faço um álbum que eu tenho prazer de ouvir, faço antes de tudo musica para mim, para me agradar como ouvinte e no fim as pessoas que acabam curtindo são pessoas com um gosto e uma busca parecida.
Acredito que esta sonoridade setentista acaba ecoando pelo approach orgânico de gravar ao vivo, interagir com os músicos, longos improvisos e etc.
GE – Seu som de guitarra é personalíssimo. Seu timbre de drive não gera a sonoridade típica de guitarra, soa mais próximo de um instrumento de sopro, que evidentemente é resultado de muita pesquisa e estudo. Dentro deste escopo, quais as dicas que você pode dar para os guitarristas que desejam ter um timbre pessoal e qual o seu equipamento hoje e na época da gravação de “Kaíros”?
MS – Uso praticamente o mesmo set de efeitos desde o primeiro álbum (acrescentei o scream x3 da T Miranda e tirei o BB pre amp), só mudo mesmo os amplificadores, pois uso o que esta no estúdio. Nos dois primeiros álbuns usei a telecaster e neste usei a strato, por isso o som agora ficou mais estalado e mais roqueiro.
O som esta no músico e por consequência nas mãos do guitarrista, portanto o timbre vai muito mais do músico do que do equipamento, quem tem uma marca pessoal vai soar pessoal independentemente do que esta usando. Bons equipamentos são ótimos, mas eles por si só não produzem nada de diferenciado.
A marca pessoal do músico acaba surgindo num longo processo de introspeção e sinceridade.
GE – Na época da entrevista de lançamento do “Free Fusion”, uma frase ficoumuito evidente para mim, tanto quanto instrumentista, professor e estudante foi a seguinte; “Numa gig de jazz, por exemplo, onde existe forma e harmonia pré-estabelecida fica obvio que você não pode ignorar a forma, os acordes você pode manipular como quiser, mas no meu quarteto não estamos presos à forma nem a harmonia na maior parte do tempo, então eu desenvolvo o meu solo partindo de ideias e vou emendado ideias melódicas e ou rítmicas usando o meu vocabulário e basicamente não uso escalas e nem arpejos, mas construo minhas linhas baseado em intervalos, se a musica tem harmonia eu me divido entre o approach que acabei de citar e o de também salientar os acordes.”. Podemos considerar que chegar a esta maneira livre e pessoal de tocar e encarar a música é um processo de evolução que só se consegue com muita determinação, foco e principalmente a mente aberta. De fato esta argumentação se transforma em afirmação no “Free Form” e isto só vem com a vivência e muito estudo. O fato de você tentar manter um grupo fixo para suas composições salientam ainda mais esta argumentação?
MS – É difícil achar pessoas dispostas a tocar este tipo de som no Brasil com conhecimento da proposta aberta, atonal, livre e o desapego de muitos elementos importantes para se trabalhar com música. Encontrei uma galera da pesada que vestiu a camisa e que estão sempre dispostos a tocar comigo, compor, fazer um som, portanto, neste sentido me sinto muito abençoado.
GE – Mateus, eu trabalho didático é muito forte. Varias pessoas comentam muito bem sobre seus materiais. Hoje você tem alcançado os resultados (tanto financeiro e tanto de realização pessoal) como professor de guitarra. Todo este empenho na carreira de professor ajudou a alavancar projetos como o site “Mais Músico” e agora este novo projeto que considero um marco na área didática brasileira. A criação de uma escola com uma metodologia baseada em uma das maiores instituições de educação musical no mundo. O que isto representa para Mateus Starling e se isso é uma realização pessoal, profissional e financeira?
MS – Primeiramente este projeto da escola presencial e virtual é um sonho que Deus plantou no meu coração e por consequência também uma realização pessoal, estou chamando os músicos que mais gosto de trabalhar, pessoas que tem muito que acrescentar na área musical e didática, queremos proporcionar aos alunos esta imersão na música de forma profunda e não apenas no instrumento. Será muito divertido estar com estas pessoas, será um laboratório pessoal também porque pretendo fazer da escola um palco onde vamos tocar sempre, fazendo apresentações com professores e alunos, então, é um ambiente que também será importante para mim, pois estarei trocando informação com os melhores músicos do meu país diariamente.
Dinheiro para mim é consequência de um trabalho de excelência, portanto, eu estou embarcando neste sonho porque tenho certeza de que ele é viável, primeiramente o projeto é inovador e pioneiro uma escola 24 horas por dia 7 dias por semana, todas as classes gravadas e exibidas ao vivo e arquivadas no site, depois porque eu estou cercado dos melhores profissionais. Antes mesmo da escola abrir eu já tinha uma lista de quase 100 pessoas aguardando a abertura da escola para participar da escola presencial e virtual.
GE – A sua rotina de estudos se modificou nestes quatro anos e devido a estes projetos (site e a criação e estruturação da escola), você sente falta de uma rotina mais forte, ou sua rotina de estudos hoje, está sendo adequada para a sua forma de tocar?
MS – Tem algo muito importante na minha rotina que me mantem em crescimento que é ter alunos de alto nível. Eu passo metade do tempo com meus alunos simplesmente tocando, além disso, a maioria dos meus alunos estão comigo a mais de dois anos, são alunos excelentes e me comporto com eles como se fossem meus colegas de trabalho numa gig qualquer. O que eu ensino para eles são coisas do meu laboratório, muitas vezes coisas que ainda estão sendo elaboradas e tenho liberdade de desenvolver junto com eles, então, me vejo estudando junto com eles e isso verdadeiramente me salva no meio de uma rotina muito intensa de trabalho e envolvimento com outras tarefas.
Estudei com Mick Goodrick por dois anos e ele me tratava assim, me trazendo coisas que ele estava ainda elaborando, coisas que ele me pedia para levar para casa e ver o que eu conseguia fazer e na outra aula ele me perguntava o que eu tinha feito de diferente. Lembro-me de ter estudado nos manuscritos deste ultimo livro que ele fez em parceria com Tim Miller e o mais engraçado é que em 2011 eu lancei o conceito das tríades mutantes, bem antes do lançamento do livro dele e no livro este conceito de tríades mutantes aparece de uma forma diferente, mas deu para sacar que este meu envolvimento nas coisas embrionárias do Mick me influenciaram para ter tomado este caminho. Como nos separamos bem antes do livro estar pronto, ele teve um approach diferente para o mesmo conceito.
Não pratico mais 10 horas por dia sozinho, mas pratico muitas horas com meus alunos e alguns poucas sozinho, nunca sinto que é o suficiente, mas a vida é assim.
GE – O que você tem ouvido hoje que tem te inspirado a compor e a estudar?
MS – Ouço muito pianista como Vijay Yier, Keith Jarret, Chick Corea. Hoje estava ouvindo o álbum blue train do Coltrane, mas ouço de heavy metal ao erudito.
GE – Tenho que comentar sobre um assunto bastante intrigante. Crenças, convicções e fé. Eu acredito de maneira convicta e irrefutável que todo o músico tem, de certa forma, uma sensibilidade mais desenvolvida que a maioria das pessoas que não trabalham com arte, seja ela qual for. Você crê nisso? Como sua fé influi na maneira de compor, de encarar e viver a vida, a música e principalmente a sua música? Se possível comente sobre se estas mudanças todas impactaram sua vida e rotinas pessoais que não estão interligadas com a música?
MS – A cada dia que passa as pessoas estão esfriando nos seus relacionamentos, no individualismo. Muitos vivendo por oportunismo e ocasião, mas eu escolhi viver por princípios, por mais que estes princípios pareçam obsoletos para muitos. Jesus Cristo é o alicerce da minha vida, através dos princípios de Cristo eu construo a minha família e carreira.
GE – Para pontuar esta entrevista, diga-nos suas impressões sobre o cenário guitarristico brasileiro e quais as dicas para quem deseja ter esse espirito musical livre e sua mensagem final para os leitores.
MS – Se vocês quer levar a música a sério tenha disciplina, isso quer dizer que independentemente do seu humor ou cansaço você vai encarar o estudo como rotina.
Estudar não precisa ser chato, portanto, busque maneiras produtivas e divertidas.
Quanto à busca da liberdade musical, acredito que começa com uma mente aberta para ouvir estilos e instrumentistas variados, não ficar só no som que você ouve há 10 anos e nem só instrumentistas do seu instrumento, depois é uma busca pessoal pela liberdade, nem todo mundo quer trilhar este caminho.
Grande abraço a todos e não deixem de visitar meus sites de estudo: www.maismusico.com.br ewww.starlingacademy.com.br