O Estilo Insano e Bizarro de Mathias “IA” Enklundh (por Alexandre Bastos)


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O guitarrista sueco esteve no Brasil, por razão da ExpoMusic 2011. Dono de um estilo peculiaríssimo de tocar que rendeu elogios de ninguém menos do que Steve Vai, este sueco (pais que gerou ou- tros mitos da guitarra como John Norum, Yngwie J. Malmsteen entre outros) brindou os brasileiros com suas loucuras no instrumento, seja em timbres ou em novas abordagens técnicas.

Com sua banda, o Freak Chicken e suas divisões rítmicas intricadas, harmonias malucas e criativas e vocais divertidos, o guitarrista se tornou uma espécie de unanimidade e coqueluche no univer- so da guitarra rock pós anos 1990.

Muito simpático extremamente aces- sível e dono de uma personalidade leve e divertida, Mattias “IA” conversou com Alexandre Bastos sobre sua carreira, influências, método de composição, música, formas de estudo, dicas e como funciona a sua personalidade musical. 

Mattias, esta é sua primeira visita ao Brasil, fale um pouco de sua carreira, experiência musical, formação e influencias.

Bem eu sou um sueco maluco (risos), tenho tocado há vinte e dois anos. Sobre minha experiência musical, eu comecei a tocar bateria com seis anos de idade e mudei para a guitarra com treze anos de idade. Após isso, eu abandonei a escola com dezesseis anos, pois ficava tocando guitarra dez horas por dia. Eu tenho to- cado com minha banda, o Freak Chicken com o meu colega Jonas Hellborg (baixista que tocou com o guitarrista Shawn Lane em seus últimos anos de vida) e, além disso, tenho meu projeto Freak Guitar lançado pelo selo Favored Nations (dirigido por Steve Vai). Estou adorando o Brasil, a garotada é muito interessada e já tem descoberto muita coisa sobre meu trabalho. Hoje, minha discografia tem três álbuns com minha banda e um disco de meu projeto solo. Para o próximo ano pre- tendo lançar mais três álbuns do Freak Chicken e mais um de meu projeto solo.

Você chamou atenção do cenário guitarrístico desde seu primeiro disco. Daquela época para cá, você sentiu sua evolu- ção e amadurecimento musical? Como você enxerga isso e o que gostaria de agregar ao estilo de tocar e do que sente falta ultimamente?

Eu sempre procuro fazer coisas novas, acredito que é isso que me move a tocar. Na verdade é uma linha muito tênue entre fazer algo completamente ridículo ou algo com- pletamente novo. Eu busco sempre e pos- so fazer coisas diferentes, mas não fico em duvida se é bom ou não, eu apenas tento. Eu acho importante ser um bom guitarrista, mas não é só isso, é importante também ter uma marca pessoal no que se faz, ou seja, ter uma marca pessoal. Uma das coisas que mudaram muito a minha vida seja como músico e seja como pessoa, foi ter visita- do a Índia. Há sete anos, visitei o país pela primeira vez e fiquei impressionado com a cultura, com a música e com os músicos. Todas aquelas tonalidades e divisões rítmicas, abriram portas enormes para que eu ficasse ainda mais inquieto para buscar novas sonoridades na guitarra. O meu próximo disco terá uma mistura disto tudo, além de experimentos com sons acústicos e elétricos, sons eletrônicos e etc. Enfim será uma grande bagunça sonora (risos).

Em todos os lugares em que passa você deixa sua marca pessoal, tanto na música como na personalidade, que alias é muito leve e divertida. Como você encara a música, a vida e a guitarra?

Para ser sincero, eu não me importo muito com a guitarra, porque eu tenho um técnico que cuida do meu instrumento. Também tenho um luthier que desenvolve o instrumento para mim. Resumindo, sou feliz por ter pessoas que preparam o instrumento para mim. O que eu gosto mesmo é de escrever compo- sições, isso me da muito prazer, ainda mais agora que tenho as guitarras que são adaptadas para manter a afinação de maneira precisa, sinto que é muito mais divertido e interessante tocar guitarra. Isso faz, pelo menos é o que sinto, o instrumento ganha vida. E com essa guitarra que esta ajustada, tocar não é só guitarra, mas uma celebração da vida e é como tocar outros instrumentos como teclados, banjos, ukelele e enfim. Para mim é o que me move e o que me traz prazer.

Vi alguns vídeos de clinicas suas em al- guns países da Europa, como Itália entre outros, onde sua forma de demons- trar sua técnica e como consegue seus timbres é bem divertida e interessante. Fale um pouco como consegue ter estas ideias inovadoras para conseguir novos sons e novas abordagens?

(Agradecendo e rindo) Eu tento não planejar o que vou demonstrar e acabo sempre improvisando. Meu maior prazer é improvisar. Por ter a condição de não planejar o que vou fazer, acabo sempre mantendo o frescor ao tocar, porém esse frescor também acaba levando a momentos de tensão, mas o resultado acaba sempre sendo bom por manter a novidade ao tocar.

Você tem algum processo ou metodologia para compor? Você segue alguma regra para isso, ou as composições surgem de coisas inusitadas?

Tento sempre me afastar de qualquer regra e faço questão de me impor isso. Uma das dicas que posso dar para quem quer compor, principalmente heavy metal, é manter-se afastado o máximo possível do heavy metal. Desta forma, a possibilidade de se compor coisas parecidas com outras músicas é praticamente nenhuma. Sempre escuto outros gêneros como country, música clássica, música indiana entre outros. As minhas composições não surgem de um “método”, eu simplesmente sento com minha guitarra, ligo o gravador e registro o que gosto e a partir dai, escrevo as composições.

Conte mais sobre a concepção de seu modelo de guitarra, pois ela causa mui- ta curiosidade, principalmente por man- ter a afinação de forma tão precisa?

Minha guitarra é instrumento incrível, feito no Japão pelo luthier Itaro Kano, um grande amigo e um gênio que me proporcionou um modelo de guitarra absoluto e sensacional. Como disse anteriormente, com essa guitarra eu tenho prazer ao tocar porque particularmente eu sempre me preocupei muito com a qualidade das guitarras. E esse instrumento me proporciona esse prazer e essa celebração à música.

Como surgiu o contato com Ste- ve Vai e Favored Nations? Você se sente realizado por estar em uma gravadora onde tem total liberdade artística e não sofre pressão alguma para compor um disco “comercial”?

Steve Vai entrou em contato comigo a aproximadamente há onze anos. De inicio eu não acreditei que isso poderia acontecer, tanto que quase nem respondi ao seu contato. Steve insistiu dizendo “Cara, adoro sua música.” Steve é um chefe incrível e um dono de gravadora exemplar. Estou muito feliz por fazer parte do cast da gravadora, pois Steve Vai nos dá total liberdade para fazermos a nossa música e isso para mim é essencial. Sinto-me realizado por estar ao lado de guitarristas como Allan Holdsworth, Steve Lukather, Andy Timmons, Tommy Emmanuel entre outros.

Hoje você tira uma ou duas semanas por ano para ministrar um curso de guitarra voltado somente sobre a forma que compõe e toca. Como é para você dividir com pessoas do mundo inteiro sua maneira única de tocar? E como pessoas interessadas aqui no Brasil podem participar deste curso.

Na verdade o Freak Guitar Camp dura três semanas e recebo gente do mundo inteiro, inclusive do Brasil, que estão interessadas na minha maneira de tocar. Também aprendo muito com eles, além de me divertir bastante, pois adoro ensinar. Nos últimos doze anos, eu sempre reservo duas ou três semanas durante o verão para realizar o Freak Guitar Camp e isso fez com que o Camp virasse uma instituição, ou seja, para mim é obrigatório que tenha este evento. Além disso, o ambiente onde acontece o evento é muito propicio para isso, pois não temos telefone, internet, computador ou qualquer outra coisa que nos distraia do estudo. O curso sempre é realizado no interior da Suécia e fica a aproximadamente a quinze minutos de minha casa, onde os alunos tem acesso ao campo, a um lago, contato com a natureza e consigo mesmo, e para quem quer estudar guitarra, isso é primordial. Resumindo, a chave do curso é foco.

Muita gente, principalmente alunos estão sempre nos perguntando como, quando e o que estudar. Todos nós desenvolvemos uma rotina de estudos, que de certa for- ma é eficaz para nós durante um tempo. O que você recomendaria para quem deseja estudar de maneira séria o instrumento? E qual é hoje sua rotina de estudos?

Eu não tenho uma rotina de estudos. Sou disciplinado, mas não sigo uma “bula” para estudar e o que mais gosto de fazer é de escrever música e registrar minhas ideias. Como sempre estou viajando, procuro manter sempre um caderno de anotações e registros em vídeo ou áudio do que vejo e vivencio por meio destas viagens.

O que você tem ouvido hoje que tem te inspirado a compor e a estudar?

Tenho ouvido muito musica indiana. Os músicos indianos que tocam citara me inspiram muito e isso me impulsiona a estudar e descobrir coisas novas. Também gosto de Dean Martin, Frank Sinatra (gargalhadas gerais) e muita musica diferente. Ajuda a manter a distancia e a procurar coisas novas para a música que faço e uma regra que tenho é nunca ouvir heavy metal, justamente para não ser influenciado e poder manter o frescor nas minhas composições.

Você tem interesse e já ouviu mu- sica brasileira? Caso tenha ouvido, quais os aspectos que mais lhe chamaram atenção na nossa música e se já ouviu o trabalho de algum guitarrista de nosso país? 

Nestes últimos anos tenho ouvido algumas coisas por aqui e por acolá e o que acho muito interessante é que o brasileiro tem uma sonoridade muito natural na guitarra. Gosto sempre de descobrir mais sobre isso, pois sou um curioso nato. Quanto a trabalhar com um guitarrista brasileiro, sinceramente, se tivesse opor- tunidade, porque não. Sou muito amigo do Kiko Loureiro que inclusive mora agora na Escandinávia e que também já participou de algumas edições do Freak Guitar Camp. Gostaria de ter mais acesso aos trabalhos de outros guitarristas brasileiros, pois acredito que isso possa agregar mais elementos a minha música.

Como é o seu equipamento e o que tem usado ultimamente?

Tenho usado o mesmo equipamento desde 1996 e ele é bem simples. Amplificadores e Caixas Laney (Mattias não soube especificar o modelo), as guitarras que são feitas para mim, os cabos Santo Ângelo e quanto a pedais, eu uso apenas um pedal de volume, não uso efeito algum. Todos os sons que extraio vêm das cordas.

Como você extrai o seu som de drive?

Não uso drive, apenas aumento o volume do amplificador e deixo a guitarra e as cordas fazerem o resto.

Tenho que comentar sobre um assunto bastante intrigante. Crenças, convicções e fé. Eu acredito de maneira convicta e irrefutável que todo o músico tem, de certa forma, uma sensibilidade mais desenvolvida que a maioria das pessoas que não trabalham com arte, seja ela qual for. Você crê nisso? Como sua fé influi na maneira de compor, de encarar e viver a vida, a música e principalmente a sua música?

Uau, esta é uma questão muito interessante. Na verdade é a melhor pergunta que ouvi nos últimos dez anos. De fato isso é uma questão muito grande, e u uma fé muito forte, mas não é algo religioso ou de religiosidade. Para mim a música é divina, é algo supremo porque traz um bem estar enorme a minha alma. Sendo sincero eu não me importo com símbolos religiosos, denominações, Bíblia e estas coisas. Peço desculpas por isso e respei- to muito quem segue a risca estas coisas, mas para mim o que importa de fato é a fé que tenho em meus valores. Eu acredito que a música pode melhorar as pessoas e o mundo inteiro, pois a música tem um poder tão grande que não creio que alguém não possa ser tocado e transformado por ela. Tenho uma experiência interessante, eu estava terminando uma turnê nos Estados Unidos e em uma viagem, pegamos uma forte turbulência durante o voo e o passageiro atrás de mim teve um ataque cardíaco e foi um verdadeiro terror, as pessoas entrando em pânico e tal. Minha atitude foi pegar meu Iphone, selecionar uma musica de piano, colocar nos ouvidos e relaxar e me acalmar enquanto todo aquele terror passasse. Para mim a vida sem musica não tem sentindo algum, não é transparente. Tanto que li um livro de Nietzsche que ele cita as suas cartas para me inspirar a escrever o novo álbum, pois ele também disse que sem música a vida seria um erro. Frank Zappa já dizia que a vida sem música era apenas datas para pagamento de contas (risos).

Para pontuar esta entrevista, diga-nos suas impressões sobre o cenário guitarrístico de nosso país e quais as dicas e sua mensagem final para os leitores.

Bem o que posso recomendar é que cada um crie o seu próprio bigode (gargalhadas incontidas) e vai moldando a partir de suas próprias necessidades. Isso pode trazer mais benefícios do que seguir modelos já propostos por outros. Nada contra estudar os licks do Kiko Loureiro, os meus, do Yngwie Malmsteen e etc. Isso não é importante, o que realmente vai fazer diferença, é quando se busca a própria linguagem e fazer as coisas do seu jeito, buscando sua identidade, sua impressão digital. Um grande abraço a todos.

 www.freakguitar.com