Música sem Rótulos (por Rafael Ferraz)
Em um disco marcado por improvisações, formas não convencionais e uma gama enorme de influências muito bem misturadas, o trio RdT em parceria com o guitarrista norte-americano Mike Moreno dá uma aula de como gravar um trabalho sem estar dentro dos moldes mais comuns da música instrumental. Acompanhe agora um papo com o guitarrista Walter Nery sobre esse novo disco, “Elo”.Em um disco marcado por improvisações, formas não convencionais e uma gama enorme de influências muito bem misturadas, o trio RdT em parceria com o guitarrista norte-americano Mike Moreno dá uma aula de como gravar um trabalho sem estar dentro dos moldes mais comuns da música instrumental. Acompanhe agora um papo com o guitarrista Walter Nery sobre esse novo disco, “Elo”.
O disco tem uma atmosfera muito bacana, típica do gênero. Vocês sempre gravam ao vivo?
Sim. Este é nosso terceiro CD. Sempre gravamos assim.
Quais as facilidades e dificuldades de se gravar dessa forma?
Este tipo de gravação produz um resultado mais espontâneo, bastante apropriado ao tipo de música que fazemos. O mais difícil fica por conta de se corrigir algum eventual erro. Para isso fazemos 2 ou 3 takes da mesma música e aproveitamos o melhor. Outra dificuldade surge na mixagem quando ocorre algum tipo de vazamento entre microfones. Na maioria das vezes o baixista grava em um ambiente separado para minimizar este problema.
E quanto aos arranjos? Vocês já haviam escrito ou deixaram “fluir” na hora da gravação?
Os arranjos vão surgindo ao longo dos ensaios. Temos uma partitura guia com a linha melódica e os acordes anotados. Eventuais convenções também são marcadas.
Apesar da “aura” Jazz, achei que o resultado final tem um som desprendido de rótulos, não limitando o universo sonoro do Trio.
É verdade, já nos disseram isto antes. Não pretendemos ficar presos a rótulos, se bem que isto é humanamente impossível. Sempre nos perguntam que tipo de som fazemos. Gostamos de dizer que é Música Instrumental Contemporânea.
Uma faixa que sem dúvida chama muito a atenção é “Fantasy Moon”. Ela soa cinematográfica. Como ela surgiu?
Surgiu de experiências advindas de audições de música Húngara tradicional e também de Béla Bartók. Guto é um músico extremamente criativo e aproveitou sonoridades inusitadas provenientes do uso de técnicas estendidas. Mostrei a ele algumas composições da finlandesa Kaija Saariaho que também faz uso destes elementos.
Os sons de guitarra de disco estão muito bem gravados. Como foi feita a captação das guitarras?
Da forma mais natural possível. Os amps (o meu Polytone e os 2 do Mike) ficaram em uma sala separada para que não surgissem interferências na hora da mixagem. Um mic na boca do falante e um afastado atrás do amp para criar ambiência foi a técnica de microfonação usada.
Walter, o que você destacaria nas diferenças de estilos entre o seu som e o do guitarrista Mike Moreno?
O som do Mike é bem mais processado do que o meu. Ele usa um reverb da Lexicon e vários pedais, alguns fora de linha como é o caso do Klon Centaur. Eu trabalho com um DL4 da Line 6 e um chorus Ce3 da Boss para o som limpo. Tenho também o Tube Screamer TS9 como opção de overdrive. A diferença de timbre também surge por conta do jogo de cordas: o Mike usa cordas estriadas e eu lisas.
Como vocês dividiram as partes de guitarras?
As partes foram divididas naturalmente ao longo de poucos ensaios. Mike é um músico extremamente sensível e não teve dificuldades em se adaptar.
Quais guitarras vocês usaram?
Eu usei uma Gibson ES 137 e o Mike uma Marchione Archtop Guitar.
E de amplificadores?
Eu usei meu Polytone MiniBrute. Mike usou um Polytone MiniBrute e um Fender TwinReverb.
Há a presença de efeitos nas guitarras, embora nada exagerado, mas que mostra uma possível despreocupação em soar “fiel ao jazz” como muitos falam. O que você acha dessa sacralização acontece em relação ao Jazz?
O Jazz é um gênero musical em constante evolução. Acho que a “sacralização” a que se refere está vinculada a um número restrito de músicos. Não podemos generalizar.
Qual a situação atual do cenário instrumental aqui no Brasil? Qual a diferença em relação a 10 ou 15 anos atrás?
Em termos práticos não podemos pensar em uma evolução muito grande. As casas de espetáculos e bares destinados a este tipo de música ainda são em número muito reduzido e muitas vezes com estrutura deficiente. Em contrapartida, a quantidade de festivais de música instrumental do país cresceu, o que já é um alento para aqueles músicos que procuram maior projeção, principalmente no cenário nacional.
Em “Incidental” nota-se um belo diálogo entre as guitarras, onde um não interfere no espaço do outro. Como você enxerga e encara esse tipo de situação, onde há a presença de uma segunda guitarra?
Mike utiliza uma concepção de harmonização que transcende o próprio instrumento. Este conceito associado a seus pedais de efeito produz uma resultante sonora mais próxima de um teclado do que propriamente da guitarra.
Já estão planejando algum próximo trabalho?
Queremos antes divulgar o disco ELO. Temos que concentrar as energias antes de despendê-la em um novo trabalho.
Vocês possuem projetos paralelos ao Trio?
Sim, particularmente Fernando (Baggio) e o Guto (Brambilla). Ambos possuem projetos musicais em paralelo com o RdT. Eu toco ocasionalmente com outros músicos.
O que você pode falar para ajudar a galera que pretende montar um trabalho nessa onda instrumental?
Acho que a palavra chave para se alcançar algum objetivo com este tipo de repertório no Brasil é “Autenticidade”. Quanto mais autêntico o seu repertório maiores as chances de diferenciação em um meio que está desgastado até pela própria deficiência dos meios de produção e divulgação deste tipo de repertório.