Progressivamente Brasileiro (Por Rafael Ferraz)


edu leal

É gratificante ouvir o disco de um guitarrista/violonista e perceber um cuidado especial com os arranjos dos instrumentos, e não aquela velha fórmula de “tudo gira em torno do meu instrumento…”.

Essa é a proposta de Edu Leal no disco Vida Nova, no qual o músico nos apresenta o que também podemos chamar de MPB – Música Progressiva Brasileira. Como o próprio Edu nos diz nessa entrevista, a influência não só da música brasileira, mas também do Rock Progressivo é bastante presente no resultado final do trabalho.

Edu, conte como foi o processo de composição do disco?

Bom, trabalhei na composição deste disco por 12 anos. Sempre toquei mais em bandas como o Genesis Cover que fazia o repertório da fase inicial progressiva, com músicas de alta complexidade e tal, e depois tive um Trio de Rock progressivo-Jazz chamado Compacta Trio, que até tinha espaço para composição, porém ao longo do tempo fui sentindo necessidade de explorar o caminho próprio, até porque o Trio estava indo numa direção (que gosto muito por sinal) extremamente contemporânea e experimental, e isso fugia -até certo ponto- da minha pegada com a música brasileira e principalmente com o violão. No trio eu tocava guitarra com efeitos…

Bom, a idéia foi se desenvolvendo progressivamente até que fiz uma primeira Demo em 2006. Entre 2006 e 2008 tive a sorte de conhecer o Arismar do Espírito Santo e em 2008 fiz uma gravação já completamente profissional no estúdio do Bruno Cardozo em SP, e participaram deste momento o Arismar, Thiago do Espírito Santo, Vinicius Dorin, Cuca, Zé Renato, enfim,  gravei 4 músicas que estão presentes no CD.

O disco tem uma série de participações de grande nome na música brasileira. Como surgiram essas parcerias? 

Então, após a gravação de 2008 saí atrás de patrocínios e graças a Deus tive a sorte de conseguir via Lei de Incentivo à Cultura. Daí as coisas ficaram mais fáceis e consegui juntar num mesmo disco cantores como o Filó Machado, Leila Pinheiro, Adriana Godoy, Bia Góes, Roger Troyjo, e consegui manter o time do instrumental que participou em 2008 além do próprio Bruno Cardozo, Daniel D’Alcantara, Fernando Cardoso, Fred Barley, enfim, esse time galáctico do intrumental pailistano. Claro, mantive os amigos do peito e que sempre me acompanharam. Chamei Carlos Rennó para fazer uma letra, e consegui manter o Arismar dando uma força na direção Musical.

As parcerias também ocorreram na hora de compor as músicas ou apenas na interpretação?

O disco foi inteiramente composto, arranjado e produzido por mim. Essas parcerias são na interpretação mesmo. Basicamente convidei o pessoal para fazer. Claro que, por exemplo, há toques de alguns integrantes. Em algumas músicas o piano fica com a cifragem e harmonia indicadas , mas há espaço para floreios e interpretação. A bateria idem. Quanto as letras, aí sim há parcerias, e nessas músicas fiquei com a parte musical. Mas cheguei a fazer algumas letras também na época, fato que desisti no momento, em fase à grande complexidade que é pensar na parte musical estrita. Agora, se componho uma música necessariamente chamo um letrista.

Quais instrumentos e equipamentos foram usados na gravação?

De minha parte usei basicamente um violão takamine, esse violão foi captado por dois microfones Neumann. Violão puro com o mínimo de reverb para dar ambiencia. Compressor, muito pouco e em momentos específicos.

Há um solo de guitarra onde usei minha Fender turbinada com captadores Seymour Duncan, que são interessantes pois lembram um single Coil, mas na verdade tem bobina dupla com uma em cima da outra. Então é uma Fender que lembra uma Jackson!(risos). Curiosamente na hora da gravação usei distorção mínima, direta de um marshall, mesclada com o som completamente limpo, sem distorção. Achei curioso pois na minha vida sempre mandei bala em distorção para ter, sobretudo, Sustain, mas em estúdio não foi nacessário. O Som tem cara de limpo e distorcido ao mesmo tempo e um sustain legal. Achei interessante.

Interessante. Não imaginei que fosse uma Fender. O disco tem um som bastante “abrasileirado”. Fale sobre isso. 

Claro, isso me refiro apenas à faixa 12, Lógica Absurda da Tristeza, que tem uma sonoridade mais elétrica, com piano fender Rhodes e tal. Sem dúvida, o disco é basicamente violonístico e com instrumentos de câmara em muitos momentos, como violino, cello, trompete, flautas. Apesar dele ter uma cara mais brasileira, repito uma frase dita por um crítico do RJ que resenhou este CD, onde disse que algumas músicas lembram uma “Bossa Progressiva”. Achei perfeito pois minha formação musical integra elementos da música erudita, rock progressivo (que se aproxima do erudito), do Jazz e claro da música instrumental brasileira, e MPB tradicional. Quis deixar essa influência visível nos dois temas de violão solo que entram no CD, que tem um apelo mais eruditizado. Guitarra apenas na faixa 12 mesmo.

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Embora o disco seja bem brasileiro, em “Crepúsculo” podemos ouvir um timbre de guitarra bem característico de Jazz. Você é um estudioso desse tipo de som?

Bom, estudei Jazz com vários professores de guitarra e depois com o Conrado Paulino. Inicialmente o Jazz  tradicional e depois mais o Brasileiro. Os grandes da guitarra: Wes Montgomery, Joe Pass, Pat Metheny. Mas a um certo momento fui me encantando com a questão composicional que fugia ao repertório do instrumento (guitarra e violão), e entraram em cena os mestres do estilo: Duke Ellington, Miles, Mingus,Weather Report. Fui me dando conta que -composicionalmente – era vidrado em mestres que não trabalhavam com guitarra ou violão necessariamente. Além do que, aprecio também a parte de arranjo, em nomes como Maria Schneider.

É bacana ver um disco de um violonista em que o violão nem sempre é o destaque. Nesse disco você pareceu valorizar os arranjos. Fale um pouco sobre isso.

Essa pergunta é precisa Rafael. Quando me debruçei mesmo no arranjo do meu CD, percebi o quanto essa coisa do arranjo e do contra-ponto me atraem. A partir daí fui construindo temáticas sonoras onde o violão é a base e de onde surge tudo, pois basicamente componho com ao violão (muitas vezes componho cantando e escrevo). Mas essa coisa de sonhar o arranjo, sem o instrumento na mão, realmente reativou um sonho antigo de trabalhar a instrumentação, como numa orquestra. Ainda que, se você for olhar, o violão neste CD não só indica o caminho harmônico, mas também dos contra-pontos. Ele pode não aparecer muito, mas está lá sempre como o organizador sabe?

Entendo. E como tem sido a divulgação do disco?

O disco tem sido distribuído pela Tratore, que é uma distribuidora bem bacana pois distribui legal pelo mundo digitalmente, e é muito bacana ver algumas cópias vendidas no Japão, EUA.  Tenho recebido resenhas nacionais, várias de mídia especializada, favoráveis mesmo ao disco! (risos). Aguardo uma resenha americana. Uma música foi baixada com frequência no site americano All About Jazz, e tenho uma música na programação da Rádio USP. Fora isso, tenho um DVD do lançamento deste CD, e está inteiro no You Tube. Foi uma apresentação memorável com 9 integrantes participando, com a presença do Arismar, Filó! Uma alegria imensa! Agora estou com um Trio e tamo aí na luta fazendo shows.

Na canção “Não Dá Pé” pareceu ter rolado uma preocupação ecológica na letra. Isso foi pensado por você antes ou surgiu na hora de fazer a letra?

Essa letra foi feita pelo Carlos Rennó que é um letrista dos mais renomados. Ele foi de forma -não posso relativizar- genial ao pegar um tema instrumental alegre, mas com um interlúdio denso e melancólico, e escrever uma letra ambientalista usando  recortes jornalísticos e realistas sobre a derrubada das árvores na parte triste do meio da canção. Sem árvores, não dá pé, é o lema! 

Fora as participações especiais, quem foram os músicos que gravaram o disco?

Curiosamente tive uma  gande alternância de músicos na banda principal do CD, mas em geral  Thiago Espírito Santo, Vinícius Dorin e Arismar participam da maioria das faixas.

Você pretende apresentar esse disco ao vivo, com esse mesmo time? 

Não, isso é logisticamente impossível!(risos). O grupo com que me apresento é um Trio com violão, flauta/sax e voz. No momento tenho o prazer de estar com Bia Góes na voz e  Sérgio Santos nos sax e flauta.

Fale um pouco do seu início na música e suas influências musicais. 

Começei tocando violão aos 11 anos. Tive a sorte de ter um pai pianista, e os meus ouvidos foram acostumados a Bartók, Ravel, Villa. Depois, mais na adolescência, surgiu o esperado interesse pelo rock e fui para a guitarra. Aí, claro, Hendrix, Page,Vai, Murray/Smith do Iron, Andy Summers, Van Halen.Mais à frente fui me aproximando do Rock Progressivo e do Jazz e aí muito Zappa, Genesis, Yes, King Crimson, Pat Metheny, Corea… Com a curiosidade mais expandida musicalmente, veio o interesse pela composição, não só pelos guitarristas, como frisei. Os brasileiros chegaram para ficar, e daí Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti,Tom Jobim, Milton, Edu Lobo, Ulisses Rocha, Paulo Belinatti, Baden. Eis que um dia, num momento ainda mais ligado á guitarra, ouvi o disco Simples e Absurdo do violonista carioca Guinga: aí tive a certeza de que queria me aproximar disto de alguma maneira. Voltei a estudar violão e quase deixei a guitarra. Fui infiel!(risos). Aí veio o Toninho Horta, e o violão me fisgou de vez.

Mas  um contemporâneo da guitarra que admiro muito principalmente na composição, ainda que seja um dos maiores nomes da guitarra solo de todos os tempos na minha opinião, é o Allan Holdsworth. Sua harmonias modernas fazem minha cabeça, e lágrimas são frequentes!(risos).

Quais os projetos para o futuro Edu? 

Já estou preparando músicas para um segundo álbum de composição. Estou picado pela composição, e gostaria de me aprofundar nisto formalmente. Já me inscrevi em um curso de harmonia do Cláudio Leal, quem sabe um curso superior no futuro.

Mas, claro, quero me aperfeiçoar cada vez mais no instrumento, e aí elegi por ora o violão, pela facilidade de tocar várias notas de forma clara e poder construir os caminhos hamônicos e melódicos. Mas a guitarra está lá, sempre!

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Queria dizer que a guitarra e o violão são instrumentos musicais, mas poderíamos considerá-los como instrumentos de idéias e emoções! Abraço a todos!