Em 2010 o grupo se estabeleceu como um trio, tendo em sua formação além do próprio Ivan, Dé Bermudez (baixo) e Thiago Costa (bateria), com o foco voltado totalmente para o repertório autoral e instrumental, com composições e arranjos elaborados por Ivan, deixando muito espaço para experimentações com ritmos brasileiros.
Este trabalho resultou no primeiro disco do trio, Síntese, onde todas as experimentações musicais do trio estão sintetizadas, como o próprio titulo do disco reafirma. Alexandre Bastos conversou com o guitarrista sobre o seu inicio no instrumento, influencias, método de composição e muitas mais.
GE – Ivan, fale um pouco de sua carreira, experiência musical, formação e influencias.
Sou bacharel em guitarra elétrica pela FAAM – SP. Lá, estudei com diversos professores, como Paulo Tiné, Marcelo Gomes, Zeli, Marisa Ramirez, Orlando Mancini, Abel Rocha, entre outros. Mas estudei também com arranjo Rafael dos Santos (Unicamp) e com o trombonista Vittor Santos, violão com Paola Pichersky, baixo elétrico com Nilton Wood, entre outros…
GE – Como foi se autoproduzir e em que isso agregou em sua carreira como instrumentista, produtor, compositor e de certa forma, líder de banda?
A auto-produção pode ser bastante trabalhosa, mas certamente é uma grande forma de aprendizado, pois podemos ver na prática o que funciona de verdade ou não. Muitas vezes a disciplina do arranjo é tratada de forma estritamente didática, focando mais em aspectos de escrita e ignorando coisas como choques entre as frequências ou se será viável gravar determinado arranjo de maneira equilibrada, ou mesmo um trabalho de timbres com mais profundidade. Estes outros temas normalmente são tratadas pelos cursos de gravação e mixagem, mas a questão é até que ponto estes não devem fazer parte do planejamento inicial do eu arranjo.
Com relação às composições, uma das maiores satisfações na carreira de um músico é poder ouvir sua produção gravada e editada. Cuidei de todas as etapas da produção deste trabalho, desde a escrita dos arranjos até a masterização, que foi feita com um dos papas desta atividade: Homero Lotito.
GE – Você colaborou com uma revista especializada (Revista Cover Baixo), onde também colaborei por dez anos. O quanto você considera gratificante ter produzido este trabalho didático e o que você observa hoje, em termos de profissionalização do mercado editorial?
Colaborei em muitas edições da Cover Baixo, fazendo transcrições, testes de equipamentos e resenhas de métodos. Depois fiz por um bom tempo uma coluna sobre harmonia e improvisação, baseada nos assuntos tratados em meu livro “Jazz: harmonia e improvisação”, lançado em 2009 pela Editora Irmãos Vitale.
Entretanto, este tipo de veículo, assim como muitas outras atividades, foi totalmente engolido pelos recursos disponibilizados gratuitamente na internet. Portanto, pode-se afirmar sem medo, ainda mais quando se trata do mercado musical, que este nicho encolheu bastante, e tende a encolher mais ainda. A internet ainda precisa oferecer uma solução realmente viável economicamente para este braço do mercado musical.
GE – Conte como é à experiência de ser coordenador pedagógico de uma escola de música e quais os desafios que isto lhe traz diariamente? (nota: Ivan é coordenador pedagógico da escola Venegas Music)
É um trabalho bastante intenso e muitas vezes não compreendido, muitas pessoas acham que basta ficar observando a estrutura da empresa que tudo funcionará sozinho, o que certamente não é verdade. Vale lembrar também que, assim como acontece em muitas outras atividades e acabe sendo um lugar-comum reclamar, a carga tributária é extremamente alta, o que muitas vezes acaba prejudicando a nossa atividade. Porém, ao mesmo tempo, é extremamente gratificante e prazeroso ver tantos alunos tendo acesso à um formato de curso que tem no conteúdo e na didática as suas maiores preocupações.
GE – Durante um tempo, você apresentou um programa na internet que tinha como foco, o espaço para a divulgação da música instrumental. Hoje este programa ainda existe ou é um projeto que se encerrou?
A Venegas Music TV foi um programa de entrevistas conduzido por mim entre 2008 e 2012, no qual participaram músicos dos mais variados estilos, desde Heraldo do Monte, Nelson Faria, passando por Tetê Espíndola e Nuno Mindelis até Andreas Kisser e Rafael Bittencourt. Muitas das vezes toquei com os entrevistados. A experiência com o programa foi pra mim uma fonte inesgotável de pesquisa e tenho muito orgulho de ter feito este trabalho por 04 anos. Quem tiver curiosidade de conhecer, existe um acervo enorme no youtube, são quase 200 entrevistas. Acesse
http://www.youtube.com/venegasmusictv
GE – Você tem uma maneira pessoal de atingir os resultados sonoros que quer. Como você desenvolve e pensa em seus arranjos, composições e improvisos? Você segue uma harmonia especifica, segue um “cardápio” de escalas e arpejos que mais gosta e etc.? Como os outros integrantes do trio interagem e colaboram neste processo?
Fico muito contente com seu comentário, que bom que deixa essa impressão ! A idéia é desenvolver uma sonoridade bastante pessoal com o trabalho em trio, espero que isso se desenvolva bastante com o passar do tempo. Costumo compor temas instrumentais, sendo que cinco destas músicas estão no primeiro disco do “Ivan Barasnevicius Trio”, chamado “Síntese”. Costumo fazer isso de várias formas, mas de maneira geral não costumo me prender a um determinado estilo, como: vou compor um samba, uma valsa ou um bebop. Costumo partir de uma idéia musical que me pareça interessante e maleável, e sem preconceitos estéticos. Em algumas situações, costumo compor a partir do cruzamento de elementos puramente musicais, como é o caso de “Machine”, que está no disco, onde o primeiro riff é composto de uma frase em sete por oito feita com a escala dom-dim, e em outros casos busco a mistura de estilos musicais bastante díspares. Com relação às escalas utilizadas, de maneira geral costumo ter mais facilidade para escrever coisas modais ou utilizando escalas simétricas, muito provavelmente por gostar bastante de certas fases da obra de músicos como Miles Davis, Wayne Shorter e Bill Evans. Porém, o grupo traz também em suas referências a a música brasileira, o jazz, o fusion e até diversas vertentes do metal, buscando sempre uma sonoridade própria, aberta a experimentações e sem se preocupar com maiores definições. Vale lembrar que embora boa parte dos arranjos seja bastante fechado, as sugestões dos outros integrantes são sempre bem-vindas e todos têm seu espaço. No próximo trabalho teremos também composições da Dé Bermudez.
GE – Ivan nos conte um pouco mais como está sendo produzir a divulgação do disco “Síntese” e se há espaço para a divulgação de música instrumental no país?
Costuma ser bastante difícil, para não dizer impossível, ter espaço em grandes veículos. Os espaços para divulgação de música instrumental são cada vez mais escassos, e os lugares que ainda mantêm em sua programação este tipo de música carecem enormemente de público. Normalmente as pessoas que assistem este tipo de show são os próprios músicos ou estudantes de música. Acredito também que a internet tenha acelerado este processo, já que podemos assistir – e de graça – milhares de shows em alta definição através do youtube ou por streaming. Portanto, diante de tanta dificuldade, só nos resta agradecer os veículos, tais como o site “Guitar Experience”, que abrem o espaço totalmente para que possamos divulgar nosso material, apoiando nosso trabalho e fortalacendo a cena musical autoral.
GE – Muita gente, principalmente alunos estão sempre nos perguntando como, quando e o que estudar. Todos nós desenvolvemos uma rotina de estudos, que de certa forma é eficaz para nós durante um tempo. O que você recomendaria para quem deseja estudar de maneira séria o instrumento? E qual é hoje sua rotina de estudos?
Hoje em dia, procuro estudar no instrumento os principais elementos musicais (escalas, arpejos, progressões, frases, etc) em novos standards, de maneira a ampliar meu repertório, e também porque acredito que somente o tempo acumulado de pesquisa e estudo no assunto pode melhorar nossa sonoridade e fraseado. Em contrapartida, não devemos esquecer que escrever novas composições e arranjos, assim como ensaiar e gravar acaba sendo um excelente laboratório. Atualmente, tenho lido algumas biografias de grandes músicos ou também sobre discos que considero importantes na história da música, como por exemplo dois dos livros de Ashley Kahn, “A Love Supreme: The Story of John Coltrane’s Signature Album” (2002) e “Kind of Blue: The Making of the Miles Davis Masterpiece” (2001).
Para quem deseja estudar seriamente o instrumento, eu recomendo buscar um professor que tenha uma sólida formação, estabelecer uma rotina de estudos e segui-la e também ouvir muitos e muitos discos, assim como pesquisar a história da música, para que seja possível entender de verdade a música se se pretende tocar.
GE – Hoje você tem alcançado os resultados, tanto financeiro e tanto de realização pessoal, divulgando seu trabalho?
Quais as suas dicas para quem também tem este objetivo e não consegue enxergar muita perspectiva?
Acredito que o principal ponto seja a persistência e ter objetivos claros, traçar metas que sejam possíveis e realistas. Por exemplo, quando o aluno estuda música seriamente, com objetivo de se trabalhar com isso no futuro, deve-se ter em mente que dificilmente este estudante será o guitarrista mais aclamado e influente do planeta da próxima década. Não que essa façanha seja impossível: mas realmente é algo bem difícil. Mas isso não quer dizer que não seja possível trabalhar na área musical. Podemos observar muitos músicos não alcançando êxito com suas atividades, mas muitas vezes podemos perceber nestes mesmos indivíduos uma análise de mercado completamente fora da realidade. Todavia, como citei anteriormente, é um fato que determinados tipos de música sofrem cada vez mais com a falta de público, por vários motivos, como citei anteriormente, o que torna a sua continuidade algo na maior parte das vezes inviável do ponto de vista econômico.
GE – O que você tem ouvido hoje que tem te inspirado a compor e a estudar?
Costumo ser bastante eclético. Tenho ouvido bastante atualmente os discos “Aura”, “In a silent way”, “Decoy” e “Seven steps to heaven”s, do Miles Davis, sendo que estes retratam, cada um à sua maneira e época, a ousadia e criatividade de um dos músicos que mais admiro. Posso citar também “Speak like a child”, “Dedication”.do Herbie Hancock, e não posso deixar de citar “The Blackening” e “Unto the locust” da banda Machine Head. Obviamente existem muitas outras referências, e esta lista está sempre sendo atualizada, mas estes são os discos que tenho escutado bastante no momento. Penso que, em todos os casos, trata-se sempre de música com muita qualidade, e isso é o que importa, independente do estilo.
GE – Você poderia nos descrever o seu equipamento atual e quais os equipamentos que foram utilizados nas gravações do disco?
Durante as gravações utilizei minha velha SG Standard ´97, tanto para os sons limpos quanto para os sons sujos plugada em um amplificador Ultimate Chorus. Utilizei também um violão Caltram ´98 com cordas de nylon para gravar a faixa “Novos Ares”. Atualmente, estou utilizando também uma Telecaster com o corpo escavado, com um single na ponte e um P-90 no braço. Devo testar essa guitarra em algumas gravações logo mais. Costumo utilizar também um violão elétrico com cordas de nylon e ao vivo utilizo uma GT-10. Tenho outros instrumentos, mas estes citados são os que estão sempre comigo.
GE – Tenho que comentar sobre um assunto bastante intrigante. Crenças, convicções e fé. Eu acredito de maneira convicta e irrefutável que todo o músico tem, de certa forma, uma sensibilidade mais desenvolvida que a maioria das pessoas que não trabalham com arte, seja ela qual for. Você crê nisso? Como sua fé influi na maneira de compor, de encarar e viver a vida, a música e principalmente a sua música?
Existem pessoas com excelente sensibilidade musical mas com bastante dificuldade para encarar as coisas da maneira que realmente são, já que isto pode ser bastante dolorido na maioria das vezes. Mas acredito que nesta questão tudo seja muito relativo, não sendo possível estabelecer uma fórmula do que seja correto ou não.
GE – Para pontuar esta entrevista, diga-nos suas impressões sobre o cenário guitarristico brasileiro e quais as dicas para quem deseja alcançar os seus objetivos.
É evidente que o nível dos músicos no Brasil aumentou bastante, hoje em dia de maneira geral os músicos costumam investir mais em formação, tocar melhor e ter equipamentos bons e baratos à disposição. Somente quem tocava há 20 anos atrás tem noção da dificuldade que era para se ter um equipamento de qualidade. Em contrapartida, a internet mudou bastante o cenário, inviabilizando economicamente boa parte das nossas atividades, mas também oferecendo muitas facilidades, como a divulgação fácil e rápida e o acesso às informações.
O desafio agora é achar novas e viáveis perspectivas para a nossa profissão, e essa é uma busca de toda a nossa classe.
Gostaria de agradecer mais uma vez ao Alexandre Bastos e ao André Sampaio pelo espaço cedido no Guitar Experience. Visitem meu site:
http://www.ivanbarasnevicius.com